
Polêmicas relativas à ata de assembleia
Não raro, nos deparamos com reclamações relativas à ata de assembleia de condomínio. De fato, o condomínio é formado por uma coletividade heterogênea e, nas reuniões, afloram discussões acaloradas.
Se a assembleia tem um ambiente organizado, i.e., com ordenação e razoabilidade do tempo de fala, ela transcorre com tranquilidade. Daí a importância do papel exercido pelo presidente da solenidade. Ele é a pessoa encarregada de arregimentar a ordem das falas e obediência aos tempos. Deve ser uma pessoa rígida na organização, mas não autoritária. Deve compreender as necessidades de coletividade e ir acomodando, com imparcialidade, todas as manifestações dos condôminos.
Mas nem mesmo quando o desenvolvimento da reunião é tranquilo, estará garantido que a ata será fiel ao ocorrido.
Pode ocorrer OMISSÃO de manifestações realizadas durante a assembleia. Importante ressalvar que os assuntos e, principalmente, as deliberações devem estar adstritas à pauta. Eventualmente, até se vê a abordagem de um determinado assunto em "assuntos gerais"; contudo, não pode ocorrer deliberação acerca. Saudável que as exposições sejam apostas na ata de assembleia para registrar que esse determinado assunto está sendo amadurecido, posto em discussão. Isso permitirá que os condôminos reflitam sobre a questão e aprofundem debates em reunião conseguinte, até haver maturação que propicie a deliberação.
Existe, é verdade, alguma subjetividade acerca do que é a "maturação". E nesse ponto, importante destacar que amadurecer NÃO É CONVENCER. Muitos podem não estar convencidos e, diante disso, alegar que a matéria não foi suficientemente debatida. Aliás, determinado condômino pode nunca estar convencido e, isso, faz parte da dinâmica de vida em sociedade, devendo-se acatar a vontade da maioria. No caso do condomínio, dever-se-á observar os quoruns de aprovação. O que queremos destacar é que deverá ocorrer um juízo de ponderação e verificação se os argumentos foram colocados em assembleia por ocasião de sua realização, não procedendo insurgências de discordância a pretexto de omissão de ata de assembleia.
Daí a importância de ouvir todos os que desejarem se manifestar, resumindo os principais pontos da fala do condômino.
Recomenda-se, sim, gravar a solenidade. Qualquer um poderá fazê-lo. Não há no ordenamento jurídico qualquer vedação, ao contrário do que se tem ouvido. Recomenda-se que a pessoa que for gravar informe que assim está procedendo. Um artigo do Secovi-PE de 06/07/23 refere, brevemente, tal possibilidade.
Em Parecer Jurídico do jurista e desembargador aposentado João Batista Lopes, exímio conhecer de matéria processual civil*, especificamente provas, ao ser consultado acerca da i/licitude de gravação de diálogos travados em assembleia, fez longa digressão a partir da dicção do art. 5º, LVI da Constituição Federal:
Na interpretação desse dispositivo, há que ser invocado o princípio da proporcionalidade para que se resolva o conflito entre direitos fundamentais: de um lado, a preservação da intimidade e, de outro, a garantia da ampla defesa.
O que emerge dos elementos submetidos à consulta é que, em razão da animosidade existente entre os condôminos e o clima de quizílias no edifício, a consulente procurou proteger-se, procedendo à gravação dos debates para sustentar sua posição em juízo. Ficou claro, pois, o propósito de demonstrar a realidade dos fatos para fazer prova em processo futuro. Por outras palavras, não houve intenção dolosa, nem intuito menos nobre na conduta por ela assumida.
Importa ressaltar que a jurisprudência vem dando exata inteligência à norma constitucional proibitiva das provas ilícitas ao assinalar que o que a Lei Máxima veda é '(...) a interferência de terceiro no interior do diálogo, sem aceitação do comunicador ou do receptor. Aquilo que se denomina de interceptação, dando azo a gravação clandestina. Mas a conversa regular entre duas pessoas que se aceitam como comunicador e receptor, em livre expressão de pensamento, admite gravação por uma das partes, assim como seria possível gravar o teor de conversações diretas, sem uso de aparelho telefônico'.
Em sentido semelhante, outro precedente proclamou a licitude de prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro.
À luz dessas considerações, tem-se por lícita a gravação dos diálogos da assembleia".
Dito Parecer foi publicado na Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo | vol. 19/2007 | p. 333 - 340 | Jan - Jun / 2007 (DTR\2007\127).
A gravação viabilizará a revisão fiel às falas, devendo-se cuidar para que as falas sejam audíveis e claras. Hoje em dia, há aplicativos e empresas prestadoras de serviço de degravação a baixo custo. A dificuldade está em identificar as vozes, razão pela qual orienta-se que, antes de cada manifestação, o condômino profira seu nome. Daí, mais uma vez, a importância do papel do presidente da assembleia.
Esse procedimento, assustador para alguns, serve como inibidor de manifestações mais rudes, grosseiras.
A restrição a observar é de fornecimento da gravação a terceiros, resguardando as falas que são realizadas em âmbito privado. A coletividade, tanto referida em direito condominial, refere-se aos próprios condôminos e, não, em relação ao público em geral; daí a necessidade de resguardar as falas e identificações dos interlocutores. O uso externo pode se dar pela necessidade de preservação e de reprodução fiel das declarações dos interlocutores, como prova judicial.
Segundo ponto polêmico é a assinatura do documento. A maioria dos artigos que temos lido afirma que é necessária a assinatura do presidente e do secretário.
Ocorre que o papel do presidente se esgota por ocasião da finalização da assembleia. Já o secretário é o encarregado de lavrar a ata, bastando a sua assinatura para que a ata seja válida. Por praxe, as atas são assinadas por ambos; entretanto, entendemos que existe um papel ínsito a cada função. Nesta senda, é possível o registro da ata no RTD com a assinatura do secretário, salvo previsão em convenção que exija outras assinaturas adicionais.
Lembre-se que a lista de presentes não se confunde com a ata de assembleia e que as regras de assembleia em condomínios seguem as que regulam as sociedades anônimas.
A respeito das assinaturas em ata, recomendamos a leitura da obra Direito Assemblear, de autoria de Plínio Paulo Bing, publicado pela Editora Sergio Antonio Fabris.
Não tendo sido a ata fiel ao ocorrido, incumbe ao condômino impugná-la. Os meios possíveis de impugnação são diversos, a ser objeto de outro artigo de blog.
*Autor do livro "A prova no direito processual civil", publicado pela Ed. RT.