Quorum para alteração de regimento interno de condomínio
Qual o quorum necessário para alterar regimento interno de condomínio?
No texto original do Código Civil de 2002, o art. 1.351 dispunha que era necessária aprovação de 2/3 para alteração do regimento interno:
Art. 1.351. Depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos a alteração da convenção e do regimento interno; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende de aprovação pela unanimidade dos condôminos.
Com a promulgação da Lei 10.931/04, essa regra foi alterada e suprimida a previsão de quorum especial em relação à pretensão de modificação do regimento interno. Logo, não houve mais a exigência de um quorum legalmente fixado para a alteração do regimento interno.
Passou o texto do código civil a ser o seguinte:
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos."
Consequentemente, a convenção de condomínio tem a autonomia/liberdade para fixar um quorum para a alteração do regimento interno.
Essa interpretação foi consolidada pelo STJ - Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.169.865 / DF, de 13.08.2013.
Nesse sentido, é o entendimento consolidado no enunciado no 248 da III Jornada de Direito Civil/2004: "O quorum para alteração do regimento interno do condomínio edilício pode ser livremente fixado em convenção".
O que deve ser observado com atenção é que, se o condomínio possuía em sua convenção uma regra estabelecendo o quorum de 2/3 para a alteração do regimento interno, o advento da lei que alterou o art. 1.351 do CC (liberando o condomínio para estabelecer o quorum) não revoga a disposição da convenção de condomínio.
Ou seja, se antes constava na convenção a previsão de 2/3 para alteração do regimento interno, essa previsão mantém-se, apesar da modificação legal do texto do art. 1.351 do CC.
Em suma, o art. 1.351 do CC concedeu liberdade/autonomia para o condomínio fixar o quorum, mas, se ele já tinha como previsão 2/3, a regra persiste até que estabeleça nova regra.
De lá para cá, vê-se que os Tribunais Estaduais têm dissentido acerca deste entendimento do STJ acima esposado.
As Turmas Recursais do RS e o TJSP divergem do TJSC, conforme julgados abaixo reproduzidos respectivamente:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGIMENTO INTERNO DE CONDOMÍNO EDILÍCIO CUMULADA COM PEDIDO DE RESSARCIMENTO DOS VALORES PAGOS PARA A ELABORAÇÃO DO DOCUMENTO. PRELIMINARES PROCESSUAIS AFASTADAS. DECISÃO QUE NÃO RECEBEU A EMENDA À INICIAL QUE SE MOSTRA ACERTADA. IRREGULARIDADE DO TERMO DE AUDIÊNCIA NÃO VERIFICADA. MÉRITO NÃO ACOLHIDO. NULIDADE DA APROVAÇÃO DE REGIMENTO INTERNO NÃO DEMONSTRADA. INEXIGÊNCIA DE QUORUM QUALIFICADO PARA APROVAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO NO CASO CONCRETO. ARTIGO 1351 DO CC QUE PREVÊ QUORUM QUALIFICADO DE 2/3 APENAS PARA A ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL. REGIMENTO APROVADO PELA MAIORIA DOS PRESENTES EM ASSEMBLEIA, EM QUE ESTAVAM PRESENTES 8 DAS 12 UNIDADES QUE COMPÕE O CONDOMÍNIO. GASTO PARA ELABORAÇÃO DO DOCUMENTO DO REGIMENTO INTERNO (R$ 1.000,00) QUE ESTÁ DENTRO DA ALÇADA DE GASTOS DO SÍNDICO COM DISPENSA DE APROVAÇÃO PELA ASSEMBLEIA, CONFORME AUTORIZADO EM ATA DE ASSEMBLEIA ANTERIOR. DESNECESSIDADE DA DESPESA OU EXCESSO NÃO DEMONSTRADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.(Recurso Cível, Nº 71010300051, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mara Lúcia Coccaro Martins Facchini, Julgado em: 17-02-2022)
CONDOMÍNIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DELIBERAÇÃO ASSEMBLEAR. ALEGAÇÃO DE VÍCIO NA REALIZAÇÃO DO ATO. NÃO RECONHECIMENTO, A ENSEJAR A DECLARAÇÃO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ELEVAÇÃO DA VERBA SUCUMBENCIAL. RECURSO IMPROVIDO, COM OBSERVAÇÃO. 1. A assembleia de condôminos deliberou a alteração do regimento interno, para estabelecer a vedação de entrada de veículos de aluguel na garagem do edifício. 2.Não se identifica a ocorrência de irregularidade na convocação da assembleia, pois houve expressa referência à alteração do artigo do regimento interno a ser alterado, dentro do tema relacionado à segurança dos condôminos. 3. Trata-se de matéria que comporta deliberação em assembleia geral ordinária, na forma do artigo 1.350 do Código Civil. 4. Para a alteração do regimento interno não existe previsão legal de quórum para a deliberação, prevalecendo a disciplina prevista na convenção. Como não há previsão específica a respeito do tema, constata-se que basta a deliberação por maioria simples. 5. Identificada a regularidade da deliberação, daí advém o reconhecimento da improcedência do pedido. E diante desse resultado, eleva-se a verba honorária sucumbencial, na forma do artigo 85, § 11, do CPC, para R$ 1.800,00. (TJSP; Apelação Cível 1012323-84.2018.8.26.0003; Relator (a): Antonio Rigolin; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/11/2019; Data de Registro: 18/11/2019)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL. APROVAÇÃO DE REGIMENTO INTERNO. AUSÊNCIA DE QUORUM MÍNIMO PARA DELIBERAÇÃO. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INCONFORMISMO DO CONDOMÍNIO RÉU. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR JULGAMENTO ULTRA PETITA. INACOLHIMENTO. MAGISTRADO CONSTATOU QUE O VALOR DA CAUSA NÃO CORRESPONDIA AO PROVEITO ECONÔMICO PERSEGUIDO PELO AUTOR, O QUE ENSEJOU A RETIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO VALOR DA CAUSA, A TEOR DO QUE PRECEITUA O ARTIGO 292, § 3º, DO CPC. SENTENÇA RESPEITOU OS LIMITES EM QUE A LIDE FORA PROPOSTA.MÉRITO. CONDOMÍNIO APELANTE SUSTENTA A DESNECESSIDADE DE QUÓRUM QUALIFICADO PARA RETIFICAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO, MORMENTE PORQUE NÃO HOUVE ALTERAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE DO APELADO, MAS IMPLEMENTOU-SE TÃO SOMENTE A REGULAMENTAÇÃO DO PERÍODO DE LOCAÇÃO. INACOLHIMENTO. NÃO HOUVE MERA RETIFICAÇÃO DE REGIMENTO INTERNO, MAS SIM APROVAÇÃO DE UM REGIMENTO INTERNO, CONTENDO 84 (OITENTA E QUATRO) ARTIGOS E DISPÕE SOBRE OS DETALHES DE CONVIVÊNCIA, DIREITOS E DEVERES DE TODOS OS CONDÔMINOS, NA PRESENÇA DE APENAS 08 (OITO) DELES, DE UM TOTAL DE 42 COM DIREITO A VOTO. REGIMENTO INTERNO É UMA CLÁUSULA NECESSÁRIA E INCLUSA NA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. E TAL CONVENÇÃO EXIGE, POR FORÇA DO ART. 1.333 DO CC, QUÓRUM DE 2/3 DOS TITULARES DAS FRAÇÕES IDEIAS PARA SER INSTITUÍDA, BEM COMO O MESMO QUÓRUM PARA SER ALTERADA (ART. 1.351 DO CC). PREVISÃO QUE TAMBÉM ESTÁ NO ART. 60, II, DA CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO APELANTE. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0303528-24.2019.8.24.0045, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 23-09-2021).
Em caso peculiar ocorrido no Estado de São Paulo, o condomínio pretendia proibir a utilização de acomodação de curtíssima duração ("Airbnb" e outros). E para viabilizar tentou prever a vedação em regimento interno.
O TJSP assim decidiu:
O quórum exigido pela Convenção para modificação do Regimento Interno é de maioria absoluta (2/3 conforme artigo 19º da Convenção fls. 49). A aprovação contou com apenas setenta e quatro dos duzentos e oitenta e oito condôminos, menor, portanto, que o exigido pela Convenção. A matéria não poderia ser tratada em Regimento Interno, pois o fim a que as unidades se destinam é tema exclusivo da Convenção (CC, art. 1.332, III e 1.334). O quórum para alterar a Convenção, como se sabe, é de dois terços, igualmente inobservado pelo réu agravado (CC, art. 1.351).
Do caso concreto, destacamos dois aspectos relevantes, sendo o segundo relativo à matéria de fundo do julgado paulista:
- O quorum para alteração do regimento de condomínio deve estar fixado na convenção e assim deverá ser obedecido. In casu, coincidia o quorum para alteração da convenção e do regimento interno.
- Na matéria de restrição a usos, a previsão deve constar na convenção. Ressalvamos, porém, que esse entendimento, na matéria de fundo, discrepa do entendimento do STJ, segundo o qual o fato de um condomínio ser residencial não comporta a acomodação de curtíssimo prazo, pois viola a própria destinação da edificação, posição essa com a qual concordamos. Outrossim, caso fosse o caso de se admitir - por hipótese dedutiva - a necessidade de previsão de regra escrita, a convenção seria a seara pertinente a ensejar a proibição.
Dito isto, compactuamos com os julgados do RS e SP, no sentido de que a Convenção de condomínio pode definir quórum para alteração de regimento interno e, o fato de o art. 1.334, V, do Código Civil prever que "a convenção determinará o regimento interno", não retira do condomínio a autonomia para fixação de quorum próprio para alteração do segundo. Afinal, o art. 1.351 está estabelendo quoruns qualificados e o art. 1.334 do CC estabelece quais requisitos obrigatorios na confecção da convenção.