Parecer sobre contribuição pecuniária de detentores de direito real de uso de vaga de garagem em condomínio edilício 

Parecer elaborado em 20.07.2016

Consulta-nos um Condomínio situado em Porto Alegre acerca de duas questões relativas ao uso e reforma das vagas de garagens. Trata-se de um prédio com 59 apartamentos residenciais e 25 vagas em uma garagem coletiva, sendo que 25 proprietários de apartamentos têm direito de uso.

O primeiro questionamento é se o condomínio pode criar um "fundo" de obrigação de recolhimento apenas desses 25 detentores de direito de uso. Eis a pergunta: "* É possível colocar isso na Convenção? * A ideia deles é criar o "Fundo da Garagem" e cada proprietário de box, contribuir mensalmente, junto no boleto, com uma quantia de 20,00 ou 30,00?".

Resposta: Sim, é possível, segundo Caio Mario da Silva Pereira (Condomínios e Incorporações, p.105). Não há óbice legal. Cria-se o fundo na convenção e a assembleia define o valor.

O condomínio acrescenta à pergunta anterior: "* Esse assunto não deve ser discutido por todos os condôminos, independente de ter garagem ou não? Qual a tua sugestão?".

Resposta: Se só os condôminos com direito real de uso irão contribuir, a obrigação é os atinge. A anuência necessária é a deles.

O outro questionamento é quanto ao custeio das obras de reforma da garagem em geral. Eis o questionamento: "* Eles querem que a responsabilidade de reforma na garagem, seja de todos os condôminos e não somente deles [detentores de uso], como diz no Regimento Interno (§10º - Quando for necessário algum reparo e/ou reforma na garagem, esta será de exclusiva responsabilidade dos respectivos usuários.)

Resposta:

Diz o jurista que conduziu a elaboração da Lei de Condomínios, Caio Mario da Silva Pereira (idem, pag. 111):

"Cumpre, entretanto, observar que não se podem atribuir os ônus de tais despesas a comunheiros que nada têm, direta ou indiretamente, com serviços que nenhuma utilidade lhes prestam. Está neste caso o proprietário de loja no rés do chão, e com saída livre, quanto às despesas de manutenção de elevadores. Está neste caso aquele que é proprietário de apartamento sem direito a garagem, quanto às despesas com esta, e, assim em diante, em outras obrigações análogas."

Além disto, o Art. 27 da Convenção de Condomínio consulente que há até o presente momento:

"As despesas provenientes de manutenção e conservação dos serviços e partes de uso comum, de divisão proporcional, bem como as de sua administração, serão rateadas entre os Condôminos, na proporção de suas respectivas frações ideais, segundo orçamento aprovado pela Assembléia Geral."

Segundo Flauzilino Araújo dos Santos, in Condomínios e Incorporações no Registro de Imóveis, "uma vaga sem delimitação ou sem demarcação, constituindo-se apenas no direito de ocupar o espaço do carro, na garagem, é portanto, uma vaga indeterminada. Nos cálculos efetuados segundo as regras fixadas pela ABNT, as áreas correspondentes a essas vagas na garagem são tratadas como área de uso comum de divisão não proporcional".

Eis os conceitos de divisão proporcional e não proporcional, segundo https://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=33&Cod=809

ÁREAS DE DIVISÃO NÃO PROPORCIONAL - Aquelas de uso privativo ou comum a uma ou várias unidades autônomas, independente de qualquer relação de proporcionalidade com as respectivas áreas privativas de construção, ou seja, áreas que, embora situadas fora da área privativa e exclusiva do uso do condômino, são a ele pertencentes, podendo também pertencer a mais de um condomínio. O exemplo mais usual da área de divisão não proporcional são as vagas de garagem, que embora situadas em local de uso comum, a sua utilização se restringe ao titular da unidade autônoma correspondente ao respectivo box.

ÁREAS DE DIVISÃO PROPORCIONAL - Aquelas de uso comum, distribuídas às unidades autônomas na proporção dos respectivos percentuais que ocupam na edificação. Assim todos compartilham, na proporcionalidade de suas respectivas frações, as áreas que são comuns a todas as unidades.

Conclusões:

Portanto, seguindo a regra da convenção, somente serão rateadas as despesas em área de uso comum de divisão proporcional, afastando, assim, a área em que se situam as garagens coletivas. Sugerimos, inclusive, seja renovada tal previsão na nova convenção.

O argumento de que, se o condômino deve pagar pela reforma, significa que tem pleno e absoluto direito de uso conforme seu bel prazer é equivocado, pois dois argumentos jurídicos:

1. O direito dos condôminos que podem usar a garagem é DIREITO REAL DE USO e não direito real de propriedade. Os direitos reais estão elencados no Código e a lei diferencia DIREITO DE USO de DIREITO DE PROPRIEDADE. O raciocínio hipotético de "poder fazer o que quiser" tem coerência com o direito de propriedade, no qual o proprietário pode usar, gozar e dispor como quiser. No DIREITO DE USO, ele não é proprietário. Ele é USUÁRIO e o seu uso está vinculado à finalidade precisa na individuação que é garagem/estacionamento. O uso está restrito a tal atividade, sob pena de desvirtuamento e penalidades.

2. E nem mesmo o direito de propriedade é absoluto porque existe na Constituição Federal uma garantia fundamental no art. 5º de função social da propriedade: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; Logo, o direito de propriedade deve atender à sua finalidade. Mas aqui sequer estamos falando de propriedade, mas de direito real de uso.